Em finais de Outubro ou início de Novembro, por altura do lançamento do seu último romance, ouvi (ou li)
José Saramago referir-se à sua última obra, «
As Intermitências da Morte», como a melhor desde a atribuição do Prémio Nobel em 1998. De facto, e considerando a mediania que tem pautado a obra do autor de «
Memorial do Convento» desde a distinção da Academia Sueca, em romances como «
A Caverna» ou «
Ensaio Sobre a Lucidez», as minhas expectativas acerca do novel romance eram, porventura, elevadas, já que sempre reconheci, enquanto leitor devoto da obra de Saramago, a autocrítica do autor face à obra criada. Porém, foi com aquele sentimento de decepção que nos atinge quando nos traem a confiança (estarei a assumir algum dramatismo, confesso, mas faltam-me palavras mais cálidas para explanar a minha opinião) que me vi confrontado com «
As Intermitências da Morte».
Na verdade, ao tentar embrenhar-me no livro, fui-me apercebendo que o grande escritor já não tinha aquela faculdade imensa de me aprisionar à leitura de página sobre página, de um modo quase incessante, até aos limites da insónia. O mediano Saramago pós-Nobel desiludia-me e fazia-me descrer da sua capacidade criativa, mergulhando, de novo, o leitor numa espécie de intervencionismo por vezes gratuito e despojado das subtilezas que o seu realismo mágico nos habituara no passado.
Enquanto leitor, sou dos que preferem dar tempo por perdido a remeter um livro ao abandono. É uma questão de reverência com o lema de respeitar com coerência as minhas escolhas. Por isso mesmo, e apesar de por dentro me assaltar a tentação de o fazer, não abandonei «
As Intermitências da Morte» e me voltei para uma qualquer leitura eventualmente mais interessante. Cheguei mesmo a confessar a um amigo, também ele ávido leitor do Nobel português, a minha intenção de ser este o último livro de Saramago que lia porque já nada me prendia às suas novas obras, e seria minha pretensão recordá-lo como um dos maiores escritores do século XX.
Arrastando página sobre página, não obstante encontrar aqui e ali alguns pontos de interesse, levei a cabo a empresa a que me propunha. Até que cheguei ao último terço d´ «
As Intermitências da Morte» e reencontrei, com surpresa, tudo o que me fez, ao longo dos anos, ser um leitor devoto de Saramago. Afinal, o mestre ainda sabe assombrar o leitor. E que surpresa maior aquela de fazer da Morte, inimiga da vida e inimiga do Homem, uma mulher que saí para seduzir e cumprir o fim da sua existência, e acaba negando tal fim; porque se faz vida, porque através do amor, da paixão ou do enamoramento talvez, se perde nos labirintos daquilo que nos faz humanos, demasiadamente humanos. Mesmo sendo o tema a morte, Saramago fez do fim vida. O resto é para ler de um só trago. Garanto, tal como já aqui me tentei a fazer numa
variação improvisada sobre o tema, que tudo o que lá está escrito é do mais apaixonante e vibrante que existe.
Em boa hora levei avante a minha coerente teimosia de não largar livros abertos ao abandono. Afinal, nunca se sabe o que nos reservam.