Orgia de Pasolini (3)
3. Pasolini explorou, em «Orgia», como em nenhuma das suas outras obras, fosse para cinema fosse para teatro, a temática do suicídio. O homem, o protagonista, desencadeia a acção através do seu acto voluntário e «pragmático» (como lhe chamou o autor) de morrer, fazendo o seu «bom uso da morte».
Mas o auge da tragédia atinge-se quando a protagonista, a mulher, se suicida sem antes, porém, matar os dois filhos do casal. O seu acto de negação da vida é, para Pasolini, a expressão daquilo que Durkheim definiu como o “suicídio anómico”, ou seja, o que o sociólogo francês considerou como um fenómeno verificável em sociedades vítimas de «ruptura de equilíbrio, mesmo quando dela resulta uma melhoria de bem estar e um aumento da vitalidade geral». Pasolini serve-se mesmo da tese de Durkheim para justificar o acto final da sua protagonista, mas separa as motivações suicidas dela das do protagonista. Aqui, vem a minha discordância com o autor.
Na verdade, o homem nega também a vida por ser parte da ruptura de equilíbrio entre a vida privada e a vida pública, na subversão da ordem externa no espaço da família. O seu «bom uso da morte» é motivado nessa agonia dilacerante que o envenena ao ponto da sua negação. O penúltimo quadro da peça, protagonizado pelo homem e pela rapariga, após a morte da mulher, é sintomático de um fim anunciado perante tantas evidências. A opressão social e moral, a perversidade das relações íntimas, a negação da vida na culpa e no suicídio são azimutes que tornam a tragédia deles una, culminando na irracionalidade (enquanto negação da razão) que conduz à violência e à humilhação exercida sobre a rapariga (a vítima colateral da tragédia) pelo homem que chega ao fim da linha e se nega por completo (transformação em mulher através da roupa da rapariga e, consequentemente, o suicídio). Completa-se assim um ciclo, em que a negação de si mesmo não é mais que a eterna liberdade para além da vida.
Mas o auge da tragédia atinge-se quando a protagonista, a mulher, se suicida sem antes, porém, matar os dois filhos do casal. O seu acto de negação da vida é, para Pasolini, a expressão daquilo que Durkheim definiu como o “suicídio anómico”, ou seja, o que o sociólogo francês considerou como um fenómeno verificável em sociedades vítimas de «ruptura de equilíbrio, mesmo quando dela resulta uma melhoria de bem estar e um aumento da vitalidade geral». Pasolini serve-se mesmo da tese de Durkheim para justificar o acto final da sua protagonista, mas separa as motivações suicidas dela das do protagonista. Aqui, vem a minha discordância com o autor.
Na verdade, o homem nega também a vida por ser parte da ruptura de equilíbrio entre a vida privada e a vida pública, na subversão da ordem externa no espaço da família. O seu «bom uso da morte» é motivado nessa agonia dilacerante que o envenena ao ponto da sua negação. O penúltimo quadro da peça, protagonizado pelo homem e pela rapariga, após a morte da mulher, é sintomático de um fim anunciado perante tantas evidências. A opressão social e moral, a perversidade das relações íntimas, a negação da vida na culpa e no suicídio são azimutes que tornam a tragédia deles una, culminando na irracionalidade (enquanto negação da razão) que conduz à violência e à humilhação exercida sobre a rapariga (a vítima colateral da tragédia) pelo homem que chega ao fim da linha e se nega por completo (transformação em mulher através da roupa da rapariga e, consequentemente, o suicídio). Completa-se assim um ciclo, em que a negação de si mesmo não é mais que a eterna liberdade para além da vida.
4. A encenação de «Orgia» por João Grosso, em exibição no Teatro Nacional D. Maria II até ao próximo domingo, tem o grande mérito do espaço onde se concebe. Pelo seu intimismo, decorrente do palco ser ladeado pela plateia limitada a pouco mais de duas dezenas de espectadores, torna-se ideal para a violência, mas também para a beleza, do texto de Pasolini. Destaca-se particularmente a arrasadora interpretação de Luísa Cruz – do melhor, considerando a dificuldade do texto e a exigência física da peça – e de Kjersti Kaasa, num registo a lembrar, fisicamente, Kim Novak em «Vertigo» de Hitchcock, sobretudo na exegese do medo e na transfiguração de sedutora a vítima.
Imagem: Pasolini, autoretrato.
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2 Comments:
Belo espaço este! Voltarei aqui com toda a certeza. Já agora quero-te lembrar que continuas em falta no EL...
Obrigado a ambos pela visita e os meus cumprimentos.
Quanto ao El... trata-se de um projecto a rever!
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