segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Um filme: Match Point

Inesperadamente, Woddy Allen sai de Nova Iorque, suspende as comédias, troca o jazz pela ópera, vai para Londres e faz o mais denso e empolgante dos seus dramas, e um dos seus melhores filmes de sempre.
Depois de um período onde as comédias se sucederam, e uma aparente normalidade embalava as suas obras, quase sempre em piloto-automático e re-traduzindo sem significativas novidades os temas comuns à sua filmografia, - com o próprio Allen a assumir que apenas continuava a fazer filmes para dar emprego aos amigos -, poucos poderiam prever que o cineasta voltaria a surpreender o público, não através do formato habitual, mas no regresso a um género em que não era normalmente feliz (como o demonstram os excessivamente bergmanianos «Setembro» ou «Sombras e Nevoeiro»).
«Match Point» é assim um filme quase atípico na longa carreira de Allen, não obstante ser povoado por temáticas que o realizador quase sempre explora nas suas obras (as paixões obsessivas, as traições, a culpa, as volatilidades das relações amorosas) e pelas referências aos seus mestres (há uma sequência fabulosa, tipicamente bergmaniana, na qual os espectros visitam o protagonista e confrontam a sua consciência com o acto brutal que consumara). Mas, ao invés de tratar essas temáticas através do humor, ao ritmo do jazz e filtrando-as nos brilhos perpétuos de Nova Iorque, o cineasta opta pelo registo quase trágico da ópera e pelo uso daquele cinzentismo intemporal de Londres, num exercício de direcção pautado soberanamente ao ritmo de sequências quase minimais, e onde a acção se revela subtilmente aos olhos do espectador, mais através de actos, de olhares e de gestos das personagens, que através da revelação pela palavra.
Talvez por essa hábil e subtil forma de condução da narrativa, a sequência do crime surja como um registo de extrema violência, quase inesperado, sem que se torne necessário mostrar uma pinga de sangue. Para além disso, Allen revê, simultaneamente, o «Crime e Castigo» de Dostoievski, sendo que o protagonista, de certa forma, reinventa o Raskólnikov do escritor russo, mas despoja-o da angústia destrutiva da culpa, ou não fosse o Chris de Allen um jogador, frio e calculista, metódico na superação da culpa e do remorso, centrado por inteiro nos seus objectivos últimos, independentemente dos meios.
A tudo isto, junta-se um elenco de eleição, donde mais uma vez se destaca a magnífica Scarlett Johansson, o que contribuí também para «Match Point» ser uma verdadeira obra-prima, um autêntico filme de mestre.

1 Comments:

Blogger Bird said...

Obrigada pela visita

filme extraordinário de tantos sentidos e tanta força...

Voltarei

7:10 da tarde  

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