Orgia de Pasolini (2)

A narrativa vai desenvolver-se num exercício de reconstrução dos factos pré-morte, factos que se vão encadeando na palavra do homem e da mulher, como se dentro de um quadro se criassem outros quadros. É desse princípio, da palavra (e quase só da palavra), que imanam os fantasmas que perseguem e dilaceram as duas personagens centrais. Fantasmas alimentados e criados num passado e num presente, construídos desde as vivências num mundo ruralizado, tão próximo das simbologias do catolicismo e também do próprio fascismo, ao destrutivo conformismo social em que mergulhava a Itália da época, uma Itália proveniente do pós-guerra, com um crescimento económico e urbano exponencial, beneficiando em toda a plenitude daquilo que se denominou como os «Gloriosos Trinta» anos. Portanto, e para além do exercício de estética dramática implícito, «Orgia» é também uma reflexão sobre aquele tempo, aquela Itália que Pasolini se esforçou por subverter com as suas obras e libertar dos males nefastos do conformismo. Daí, e citando-o, «do mesmo modo que não sou indiferente na realidade, também não sou, potencialmente, indiferente diante da reprodução da realidade». E «Orgia» é uma reprodução da realidade do seu autor e do seu tempo, não obstante negar-se a sê-lo por si só, e conseguir vincar-se num quadro de intemporalidade, tão presente hoje como há quarenta anos.
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